quinta-feira, 7 de junho de 2012

POMAR-DO-SER

                 


Quando alguém nasce, passa a existir, também, um pomar-do-ser. Cada recém-nascido, portanto, carrega consigo o seu pomar. As árvores não crescem do nada, não se reproduzem com nenhum tipo de atividade divina; sua formação é bem mais complexa e se inicia com as escolhas que cada singular pessoa faz. O pomar-do-ser , apesar de não possuir encantos ou mágicas, é tão belo quanto as atitudes que são tomadas. Assim, cada árvore representa uma etapa de vida e, apesar de não nascermos carregando apenas uma sementinha, mas várias, plantá-las exige muita paciência, determinação e o principal: a vontade em tê-las.

Não vim aqui, entretanto, contar sobre os bilhões de pomares-do-ser existentes, cá estou para sacudir o meu e, quem sabe, o seu. Certa vez me foi incumbida a difícil tarefa de me relacionar. Não era, pois, uma relação comum. Muito cuidei de cada fruto que foi designado em meu pomar. Alguns frutos, confesso, não fiz questão que amadurecessem, outros, porém, cuidei até quando minha tarefa já havia se cumprido: era cumplicidade, sabe? Ninguém deixa de cuidar quando gosta, quando quer, por mais difícil que seja a tarefa, estar por perto, mesmo que de longe. A tarefa a mim designada que venho lhes contar foi, justamente, fazer amadurecer mais rapidamente o mais difícil dos frutos. Não pude evitar aproximação, e assim a fiz. Aquele fruto, entretanto, não me era estranho. Eu parecia conhecer o tom verde levemente amarelado lá presente há muito tempo e, depois de olhá-lo mais a fundo, não quis deixá-lo só.

Era verão, exatamente o momento propício! Mal sabia eu que o processo seria lento, doloroso e gradativo. Com o tempo, em sincronia com a vontade imensa de estar presente, cuidá-lo ao máximo e melhor, o desgosto em vê-lo igual, nem um pouquinho mais amarelado, fazia-me infeliz. Passaram-se as outras estações e mais um verão chegou. O desgaste em olhar para o belo, porém, verde fruto, deixava-me frustrada. Ele havia, sim, crescido, mas para isso precisei quase arrancá-lo do pé abruptamente. Foi um choque. Parei, pensei melhor. Aquela era a MINHA tarefa e de mais ninguém. Eu não poderia, de maneira alguma, deixar para mais tarde ou simplesmente desistir. Foi depois desse dia, porém, que a situação começou a mudar. O fruto cresceu como eu jamais imaginaria ser possível. O verde que antes cismava em agarrar-lhe quase por inteiro agora dava espaço para um lindo tom dourado. E cada vez mais eu não queria deixá-lo crescer, pois sabia que um dia, ele cairia do pé. 

Segurei o máximo que pude. Ele não me ouvia mais, não respondia ao meu apreço, carinho e consideração. Mas e como me desapegar, justamente agora que ele estava quase pronto? Se ele caísse no chão, certamente nasceria em outro pomar-do-ser; e eu o queria ali, e só ali. Não houve jeito, como pode imaginar. A minha missão não era tê-lo, mas somente prepará-lo e o deixar ir embora. O verão estava findado e eu me via ali: solitária e esverdeada. Eu também fiz parte do pomar-do-ser daquele que tanto cuidei e, por isso, tive que amadurecer, cair e esverdear novamente.

Ninguém faz parte do pomar-do-ser de outro alguém e, se por ele é cultivado, por mero acaso. Cada fruto tem a sua especificidade, as suas peculiaridades e, é claro, seu jeito especial em amadurecer (ou não) para, no final, cair do pé. Há frutos que duram mais, quase uma vida inteira. E há como cultivá-lo sozinho? Em reciprocidade, é necessário que no outro pomar-do-ser você também esteja sendo muito bem cuidado. Pois quando um cai, o outro também o faz.
Nunca é fácil abandonar uma árvore; primeiro por nunca sabermos onde iremos renascer e, segundo, porque a familiaridade e o aconchego que certas árvores nos trazem são difíceis de encontrar novamente.

O mundo é cíclico, as histórias, entretanto, são únicas. O segredo é jamais deixar de cultivar as outras árvores, os outros frutos. Se maçã não lhe faz bem, porque não experimentar algo diferente?



Doeu. Exatos cinco dias de dor. E passou. E foi embora junto ao verão, deixando-me na companhia das mais belas árvores que cultivei e que ainda (por sorte) cultivo.

2 comentários:

  1. Nossa Ju, que texto incrível.. Me identifiquei nele por inteiro! Parabéns!

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  2. (Às vezes parece ser sempre proporcionalmente lindo e difícil. né? :~)

    Ju, tens uma sensibilidade encantadora. Lindo demais! Por tudo que sei, que tu me contaste, e que percebi, eu não poderia deixar de me emocionar.

    Repito: lindo demais!

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