sábado, 4 de agosto de 2012

Para carbonizar...




Por dentro eu apedrejo sem piedade, me retorço gritando até os pulmões fadigarem. Porque por dentro eu me sinto em demasia, gigante de tanto me achar pequena. Por dentro eu afogo, queimo, caio e logo me ergo. Porque por dentro não há limite; não há imaginação infértil que deixe de semear destroços.
Mas você precisa entender: se intimamente eu não ‘vulcanizasse’ ações, talvez eu realmente cuspisse fogo ao abrir a boca. É que sentir por dentro me faz o equilíbrio, ou o me tenta. Sentir por dentro me faz agir melhor por fora e para que você, cuspidora de fogo como eu, possa me achar levemente normal, ou quem sabe, simplesmente humana.

sexta-feira, 8 de junho de 2012





Se teus ponteiros pararam sem porquê,
E aquele que arrumou a mala saiu na pressa
Me diz mais que depressa: como negar a rejeição?


Se ao se conhecerem os desvarios se formaram
E os sonhos romperam os laços, incendiaram os abraços
Me diz sem entrelaços: como esquecer que se perdeu?


Se vocês, entre os lençois que os aconchegavam
Decidiram caminhar sozinhos, pé por pé entre desafios
Me diz: por que mudar o rumo agora?


Se na bagunça dos teus vestidos, encontraste ternos puídos
juntos, mas sem corpos e rasgados por um punhal
Remendados pelo teu infeliz querer
Trocando sangue venoso por arterial
Me conta: para que sofrer de causa sem cura?


Sim, acho que teu esquecimento é longinquo 
Que você se doa demais e se prende a dor
Que pensa na loucura da morte e não repara na vida
Agora me diz: e teu final feliz,  merece tanto amor?




quinta-feira, 7 de junho de 2012

POMAR-DO-SER

                 


Quando alguém nasce, passa a existir, também, um pomar-do-ser. Cada recém-nascido, portanto, carrega consigo o seu pomar. As árvores não crescem do nada, não se reproduzem com nenhum tipo de atividade divina; sua formação é bem mais complexa e se inicia com as escolhas que cada singular pessoa faz. O pomar-do-ser , apesar de não possuir encantos ou mágicas, é tão belo quanto as atitudes que são tomadas. Assim, cada árvore representa uma etapa de vida e, apesar de não nascermos carregando apenas uma sementinha, mas várias, plantá-las exige muita paciência, determinação e o principal: a vontade em tê-las.

Não vim aqui, entretanto, contar sobre os bilhões de pomares-do-ser existentes, cá estou para sacudir o meu e, quem sabe, o seu. Certa vez me foi incumbida a difícil tarefa de me relacionar. Não era, pois, uma relação comum. Muito cuidei de cada fruto que foi designado em meu pomar. Alguns frutos, confesso, não fiz questão que amadurecessem, outros, porém, cuidei até quando minha tarefa já havia se cumprido: era cumplicidade, sabe? Ninguém deixa de cuidar quando gosta, quando quer, por mais difícil que seja a tarefa, estar por perto, mesmo que de longe. A tarefa a mim designada que venho lhes contar foi, justamente, fazer amadurecer mais rapidamente o mais difícil dos frutos. Não pude evitar aproximação, e assim a fiz. Aquele fruto, entretanto, não me era estranho. Eu parecia conhecer o tom verde levemente amarelado lá presente há muito tempo e, depois de olhá-lo mais a fundo, não quis deixá-lo só.

Era verão, exatamente o momento propício! Mal sabia eu que o processo seria lento, doloroso e gradativo. Com o tempo, em sincronia com a vontade imensa de estar presente, cuidá-lo ao máximo e melhor, o desgosto em vê-lo igual, nem um pouquinho mais amarelado, fazia-me infeliz. Passaram-se as outras estações e mais um verão chegou. O desgaste em olhar para o belo, porém, verde fruto, deixava-me frustrada. Ele havia, sim, crescido, mas para isso precisei quase arrancá-lo do pé abruptamente. Foi um choque. Parei, pensei melhor. Aquela era a MINHA tarefa e de mais ninguém. Eu não poderia, de maneira alguma, deixar para mais tarde ou simplesmente desistir. Foi depois desse dia, porém, que a situação começou a mudar. O fruto cresceu como eu jamais imaginaria ser possível. O verde que antes cismava em agarrar-lhe quase por inteiro agora dava espaço para um lindo tom dourado. E cada vez mais eu não queria deixá-lo crescer, pois sabia que um dia, ele cairia do pé. 

Segurei o máximo que pude. Ele não me ouvia mais, não respondia ao meu apreço, carinho e consideração. Mas e como me desapegar, justamente agora que ele estava quase pronto? Se ele caísse no chão, certamente nasceria em outro pomar-do-ser; e eu o queria ali, e só ali. Não houve jeito, como pode imaginar. A minha missão não era tê-lo, mas somente prepará-lo e o deixar ir embora. O verão estava findado e eu me via ali: solitária e esverdeada. Eu também fiz parte do pomar-do-ser daquele que tanto cuidei e, por isso, tive que amadurecer, cair e esverdear novamente.

Ninguém faz parte do pomar-do-ser de outro alguém e, se por ele é cultivado, por mero acaso. Cada fruto tem a sua especificidade, as suas peculiaridades e, é claro, seu jeito especial em amadurecer (ou não) para, no final, cair do pé. Há frutos que duram mais, quase uma vida inteira. E há como cultivá-lo sozinho? Em reciprocidade, é necessário que no outro pomar-do-ser você também esteja sendo muito bem cuidado. Pois quando um cai, o outro também o faz.
Nunca é fácil abandonar uma árvore; primeiro por nunca sabermos onde iremos renascer e, segundo, porque a familiaridade e o aconchego que certas árvores nos trazem são difíceis de encontrar novamente.

O mundo é cíclico, as histórias, entretanto, são únicas. O segredo é jamais deixar de cultivar as outras árvores, os outros frutos. Se maçã não lhe faz bem, porque não experimentar algo diferente?



Doeu. Exatos cinco dias de dor. E passou. E foi embora junto ao verão, deixando-me na companhia das mais belas árvores que cultivei e que ainda (por sorte) cultivo.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

dois pés e um coração


Eu sempre caminhei para frente. Linha reta, nada a mais, nada a menos. Dificilmente me peguei olhando para trás - por mais que minha consciência pedisse que sim -; meus pés sempre foram fortes, predominantes e, mesmo assim, tão pequenos e calejados.
Por vezes tentei vencê-los, tentei me livrar dessa mania de linearidade que tanto me levou para o inconfundível erro. Meus dedos, por vezes, sentiram o chão enrijecer, pedregoso e ríspido; eles me pediram pressa, o mais rápido que eu pudesse andar. Nunca soube dizer não, nunca. E, dessa forma, jamais desviei, nem atalhos ou ruelas. Só me sobraram os retalhos e remendos, a vergonha do maldito e estúpido erro de negligenciar a mim mesma e a minha vontade de dizer não.
Até ontem. Sim, talvez pela primeira e única vez na vida resolvi recuar e não avançar. Desacelerar e, milagrosamente, esperar. Dói, e como dói. Os atalhos requerem força de vontade, espinhos na pele, lama no chão. Os olhos viram oceano e os peixes são só carcaças. É vontade de gritar, de ir para frente, mas não dá. Não depois de tanta agonia.
Resolvi parar de duvidar, parar de ser linear e previsível. Talvez eu realmente precise caminhar para trás, para os lados e, quem sabe, simplesmente esperar no próprio lugar. O chão cura, os pés curam, a vontade cura, porém a experiência não. É menos dor de cabeça, é menos tapa na cara e isso é exatamente o que eu preciso: não de cura, mas prevenção.